Paola Machado
Colunista do VivaBem
08/06/2021 04h00
Você já deve ter ouvido que "a dor é psicológica" de um amigo ou de um familiar. E há quem sofre com dor e já ouviu isso até de um profissional da saúde, após avaliar os exames e "não encontrar nada de errado" com o paciente. Antes de comentar sobre a experiência da dor é importante saber conceituá-la.
Em 2020, a IASP (International Association for the Study of Pain) publicou no periódico científico PAIN uma revisão de estudos com a seguinte definição de dor:
"(...) A dor é uma experiência sensitiva e emocional desagradável --associada ou semelhante àquela associada a uma lesão tecidual real ou potencial. Sendo uma experiência pessoal influenciada, em graus variáveis, por fatores biológicos, psicológicos e sociais"
Dor e nocicepção são fenômenos diferentes
A coluna já explicou o que é dor crônica e como interpretamos o estímulo de dor aguda e crônica. Simplificando, a dor chega por meio de uma cadeia de informações com o neurônio de primeira ordem na periferia para a medula espinhal; o neurônio de segunda ordem subindo pela medula espinhal; e o neurônio de terceira ordem para o córtex do cérebro.
O componente fisiológico da dor é chamado nocicepção e consiste dos processos de transdução, transmissão e modulação de sinais neurais gerados em resposta a um estímulo nocivo externo.
- Nocicepção Mecanismo pelo qual os estímulos periféricos são transmitidos ao Sistema Nervoso Central.
- Dor Envolve componentes discriminativos da sensibilidade como aspectos afetivos-motivacionais, componentes sensoriais-discriminativos, como a detecção da intensidade, localização, duração e qualidade e, finalmente, o componente emocional-afetivo-cognitivo que representa a forma como reagimos emocionalmente, ou seja, a interpretação do estímulo com áreas corticais e sistema límbico.
Diferentes características
A dor pode ser classificada de diferentes formas, como nociceptiva, somática, visceral, neuropática, aguda ou crônica. Todas irão levar em conta uma característica específica a partir do tempo de dor ou da região acometida, por exemplo.
Por que dizem que minha dor é psicológica?
Por meio de suas experiências de vida, as pessoas aprendem o conceito de dor. Já parou para pensar que a sua dor é vivenciada e compreendida por você —e apenas por você? Sua dor é a sua dor e ela é real!
Não, ela não é invenção nem coisa da sua cabeça? O fato é que a dor não se correlaciona necessariamente com a presença de danos aos tecidos e há "N" fatores, entre eles, psicológicos e comportamentais (como evitação, catastrofização e medo), que desempenham um papel importante nas respostas fisiológicas à dor.
Por isso, um fator curioso é que ela não depende necessariamente da existência de um fator estressor e agressor que esteja ativo (um machucado). Isso é, você pode fazer muitos exames de imagem, coletas de sangue e exames modernos para rastrear a causa da dor e, ainda assim, não encontrar nada no laudo. Não se frustre, nem por isso sua dor é menos real! Sim, acredite, há quem se frustre ao investigar a causa da dor e não encontrar nada do laudo. Mas a dor pode ocorrer mesmo que o agressor tenha cessado ou a lesão já tenha cicatrizado. Portanto, o relato de uma pessoa sobre uma experiência de dor deve ser sempre respeitado e os profissionais de saúde devem considerar seus sintomas.
A dor é um sinal de alarme do organismo para que tenhamos atenção ao nosso corpo e a nossa saúde, e embora cumpra um papel adaptativo, algumas características podem, sim, trazer prejuízos que afetam e muito a qualidade de vida, o bem-estar social e o psicológico.
O maior recado da ciência nesse quesito é que ela nos mostra que a partir de táticas de prevenção, como mudanças de atitudes e hábitos, é possível reduzir o risco de desenvolver dores e doenças crônicas. E no que tange o tratamento de dores, reforçamos e batemos na mesma tecla de hábitos de vida saudáveis e do suporte de profissionais de saúde que possam trabalhar e melhorar todos os componentes físicos, psicológicos e comportamentais que envolvem a sua experiência de dor. Em caso de dores, procure tratamento adequado com profissionais da área de saúde, evitando que o processo se torne crônico.
*Com colaboração de Renata Luri, doutora pela Unifesp e fisioterapeuta da Clínica La Posture; e Raone Daltro, fisioterapeuta especializado em ortopedia, da Clínica La Posture
Referências:
- Acesso em maio de 2021: https://www.iasp-pain.org/Education/Content.aspx?ItemNumber=1698
- PHYSICAL ACTIVITY GUIDELINES ADVISORY COMMITTEE et al. Physical activity guidelines advisory committee scientific report. Washington, DC: US Department of Health and Human Services, 2018.
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texto original
https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/paola-machado/2021/06/08/dor-psicologica.htm
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