A fibromialgia
juvenil primária (FJP) é uma doença caracterizada pela dor
musculoesquelética crônica e difusa, associada a múltiplos pontos
dolorosos (tender points) previsíveis, sendo descrita pela primeira vez em 1985 por Yunus e Mazi. Em 2021, foi publicada por Coles e Uziel, na revista Pediatric Rheumatology,
uma revisão sobre o tratamento e prognóstico dessa doença. Os aspectos
mais relevantes desta publicação serão expostos a seguir.
Tratamento da fibromialgia juvenil primária
O
objetivo principal do tratamento da FJP consiste em garantir qualidade
de vida através do alívio da dor e da melhora da funcionalidade.
O tratamento inicial deve ser não farmacológico, sendo a base terapêutica os exercícios físicos.
Deve-se
sempre reconhecer que a dor do paciente é real, com duração
indeterminada e sem cura imediata, porém enfatizar que esta não acarreta
riscos e possui tratamento.
Fisioterapia
O
benefício dos exercícios, que inclui treinamento aeróbio, de força e
resistência ou terapias baseadas em movimento (como tai chi e ioga), foi
demonstrado em estudos para tratamento de adultos com fibromialgia. A
recomendação para crianças é de, pelo menos, 30 minutos de exercícios
moderados a vigorosos por 2 a 3 vezes na semana.
Apesar de recomendado, a aderência a longo prazo aos exercícios na fibromialgia juvenil primária
é baixa, já sendo demonstrado que crianças com dor crônica são
fisicamente menos ativas. Alterações neurobiológicas estão associadas ao
aumento da dor em pacientes com fibromialgia, de forma que a
intensificação desta após os exercícios pode desencorajar o engajamento.
Adolescentes com fibromialgia juvenil primária possuem alterações biomecânicas de marcha, postura e equilíbrio, que os tornam mais propensos a lesões durante o exercício.
Além
disso, a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) isoladamente, apesar de
sua melhoria na funcionalidade e no enfrentamento da dor, não
demonstrou eficácia na adesão a atividade física. Assim, recomenda-se
associar o TCC a outras intervenções adicionais para melhorar a adesão à
terapia física. Resultados promissores foram observados em intervenções
que combinam TCC com treinamento neuromuscular, como Fibromyalgia
Integrative Training for Teens (FIT-Teens). Ademais, existem outras
formas de abordagem personalizada de treinamento neuromuscular,
modificadas a partir de protocolos de prevenção de lesões baseados em
evidência da medicina esportiva pediátrica.
Propõe-se ainda que
formas menos extenuantes de exercícios físicos e modificações de estilo
de vida podem melhorar a aderência a longo prazo.
Terapias psicológicas
Psicoterapias, em especial a TCC, representam as terapias com maior evidência no tratamento da fibromialgia juvenil primária.
TCC mostrou melhora na incapacidade funcional e na capacidade de lidar
com a dor entre adolescentes. Foi observado que maior déficit funcional
inicial e maior capacidade de enfrentamento aumentaram
significativamente a resposta a TCC.
Muitos pacientes com fibromialgia juvenil primária apresentam comorbidades psiquiátricas, especialmente ansiedade e depressão, sendo benéfico o encaminhamento a um psiquiatra.
Tratamento farmacológico
A evidência dos tratamentos farmacológicos para fibromialgia juvenil primária é limitada. Ensaios clínicos de larga escala estão sendo conduzidos para avaliação de tratamentos medicamentosos.
Analgésicos não-opioides e anti-inflamatórios
Analgésicos
tópicos ou sistêmicos, bem como anti-inflamatórios não esteroidais, são
usados para tratamento de fibromialgia e FJP, porém não mostraram
efetividade, possivelmente pela sua ação periférica, uma vez que o
mecanismo de dor nesses pacientes é de origem central. Prednisona também
não se mostrou efetiva em adultos.
Anticonvulsivantes
Gabapentina
e pregabalina mostraram-se eficazes no tratamento de Fibromialgia em
adultos, com boa tolerância. Um ensaio clínico randomizado e duplo cego
de 2016 não mostrou eficácia clara em adolescentes com FJP e evidenciou
um perfil de segurança levemente pior em comparação com adultos.
Antidepressivos
Inibidores
de receptação de serotonina e noradrenalina, com duloxetina e
milnacipran, mostraram benefício no alívio das dores em adultos. Os
dados são limitados na população pediátrica. Estudo recente em
adolescentes mostrou redução da dor com uso de duloxetina em comparação
com placebo, sem problemas relacionados à segurança da medicação.
Os
inibidores seletivos de receptação de serotonina, como fluoxetina e
paroxetina, possuem menos evidências de eficácia em adultos com
fibromialgia. Estudo exploratório e aberto avaliando uso de fluoxetina
em FJP demonstrou redução na dor e melhora global, porém as doses
toleradas foram baixas por efeitos adversos.
A
amitriptilina é o antidepressivo tricíclico prescrito para tratamento
de fibromialgia. Foi observado melhora do sono, da dor e da fadiga.
Existem poucas evidências suportando o uso de amitriptilina para
fibromialgia juvenil primária, porém apresentam importante função no
tratamento de comorbidades psiquiátricas associadas.
Analgésicos opioides
Opioides
não são efetivos no tratamento de fibromialgia em adultos. Em crianças,
deve-se evitar o uso devido ao risco de dependência e abuso.
Antagonistas de receptor opioide
Baixas doses de Naltrexone podem ser efetivas e seguras em adultos com fibromialgia. Não existem estudos na população infantil.
Relaxantes musculares
A
Ciclobenzaprina, relaxante muscular semelhante a tricíclico, tem
recomendação fraca para adultos com fibromialgia e distúrbios do sono.
Mais pesquisas são necessárias sobre formulação sublingual de liberação
lenta, que seriam mais adequadas às crianças pela redução de frequência
de administração.
Canabinoides
Podem
ser úteis no manejo da fibromialgia devido aos seus efeitos na dor.
Alguns estudos recentes mostraram segurança da medicação como terapia
adjuvante no tratamento de adultos, mas os dados ainda são escassos.
Mais estudos precisam confirmar eficácia e segurança em crianças.
Tratamentos complementares
Intervenções dietéticas
Vários
estudos sugerem um possível efeito da reposição de vitamina D sobre
sintomas musculoesqueléticos, depressão e qualidade de vida em adultos
com fibromialgia. A relação causal não é bem estabelecida. Faltam dados
sobre a população pediátrica, porém a suplementação de vitamina D pode
ser considerada como coadjuvante na terapia.
Mindfulness
Pode
afetar a relação dos adolescentes com a dor, especialmente no que diz
respeito à catastrofização da dor. Terapia de redução de estresse
baseado em mindfulness em paciente pediátrico com dor crônica mostrou
aumento da atenção plena, porém apresentou inconsistência nos outros
desfechos.
Tai Chi
Em
adultos com fibromialgia, Tai chi mostrou melhora dos sintomas, sendo
uma opção terapêutica. Faltam dados dessa modalidade para crianças e
adolescentes.
Acupuntura
Pode
ser efetiva em pacientes pediátricos com dor crônica. Em adultos com
fibromialgia, apresenta resultados conflitantes. Estudos adicionais
precisam ser realizados antes de serem recomendados para pacientes com
FJP.
Imaginação Guiada e Hipnose
Em
adultos, a hipnose parece estar associada a redução da dor e do
estresse psicológico. Hipnose em combinação com TCC foi superior a TCC
isolada na redução de estresse psicológico.
Estimulação nervosa
Estimulação
elétrica nervosa transcutânea (TENS) mostrou melhora da dor evocada por
movimento, fadiga e outros desfechos clínicos. Não há ensaios clínicos
em crianças e adolescentes avaliando eficácia.
Técnicas
de estimulação cerebral não invasivas podem ser modalidades seguras e
viáveis em adultos. Estas técnicas mostraram redução de dor e fadiga,
além de aumento de funcionalidade. Estudos maiores em população
pediátrica precisam ser realizados antes da aplicação em fibromialgia
juvenil primária.
Prognóstico da fibromialgia juvenil primária
Estudos
mostram resultados conflitantes a respeito do prognóstico. Parece que o
prognóstico tende a ser pouco favorável, com sintomas psicológicos e
físicos crônicos. Foi demonstrado que crianças com FJP exibiram piora da
dor e da qualidade de vida ao longo do tempo, independente da
modalidade de tratamento ou adesão à terapia. Além do comprometimento
físico e emocional, pacientes com fibromialgia juvenil primária não
alcançaram o mesmo nível de educação e poucos se casaram comparado com o
grupo controle.
O efeito da idade de início no prognóstico é incerto. Pacientes com piora dos sintomas depressivos
tendem a apresentar piora da funcionalidade física ao longo do tempo,
devendo ter um tratamento mais intensivo. Além disso, os sintomas
depressivos tiveram maior associação com ausência escolar, sendo fator
de risco para problemas psiquiátricos, econômicos, sociais e conjugais
na vida adulta. Sintomas cognitivos, catastrofização da dor e medo de
movimentação estão associados a pior prognóstico.
O ambiente familiar também parece estar associado ao prognóstico a longo prazo. Suporte social é um preditor de funcionalidade em adolescentes. Estudos adicionais precisam ser realizados para determinar os fatores prognósticos a longo prazo em FJP.
Conclusão
A
fibromialgia juvenil primária é uma doença musculoesquelética crônica
que leva a perda de funcionalidade e prejuízos socioeconômicos a longo
prazo. O tratamento padrão consiste em uma abordagem multidisciplinar,
sendo o exercício físico e o tratamento psicológico as bases. O uso de
medicações pode auxiliar no controle de sintomas e o plano de tratamento
deve ser individualizado. Estudos de melhor qualidade são necessários
para melhor compreensão do tratamento e do prognóstico na população
pediátrica.
Autora:
Gabriela Guimarães Moreira Balbi
Graduada
em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) • Pediatra
pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) • Reumatologista pediatra
pela Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina
(UNIFESP/EPM)
fonte https://pebmed.com.br/fibromialgia-juvenil-primaria-uma-revisao-sobre-o-tratamento-e-seu-prognostico/amp/